NOSSO CÉREBRO ENGENHOSO

A neurociência aplicada à aprendizagem tem se mostrado a cada dia mais relevante em um mundo plural em que o desenvolvimento de habilidades metacognitivas se faz tão propício para a melhoria não só da capacidade de aprendizagem, como também do desenvolvimento psicossocial, tão necessário à geração high-tech.

Estudos de psicólogos e de neurocientistas de diversas partes do mundo, nos últimos 70 anos, têm se entrelaçado a fim de que o ser humano tenha consciência de acerca do funcionamento de seu corpo, psique, habilidades, potencialidades, e para que possivelmente seja agente modificador e transformador da sociedade, sempre em busca de um futuro melhor para as novas gerações.

Desde a infância, habilidades cognitivas, sociais e comportamentais, além de fatores ambientais, têm grande impacto na formação de cada pessoa e, por isso, é tão importante a aplicabilidade de mensuração de dados relatados em teorias que contribuam para o pleno desenvolvimento do cidadão, inclusive na escola.

Na obra “A análise científica da personalidade” (CATTELL, 1975), o britânico Raymond B. Cattell, Doutor em Psicologia e professor em grandes universidades americanas, desvelou  como ninguém a relação entre motivação e inteligência em prol do processo da  aprendizagem e sua contribuição para o ser humano até a maturidade. John Horn, seu  aluno, deu continuidade aos seus estudos e uma de suas maiores contribuições para o  campo da Educação foi a criação do conceito de inteligência fluida e inteligência cristalizada. A inteligência fluida é adaptativa, intuitiva e biológica, o que podemos chamar de “a  capacidade de reorganização rápida frente ao inesperado”, e a inteligência cristalizada é baseada na experiência e aprimorada através do aprendizado. Um exemplo prático seria dizer que a inteligência cristalizada é saber que o leão é um animal e a fluida a correr dele se ele aproximar-se bruscamente de você.

Desenvolvendo esses dois tipos de inteligência de maneira equânime, presume-se que um indivíduo prosperará. Mas como fazer isso? E como as descobertas da neurociência se somam às da psicologia para ajudar na formação plena de nossas crianças e dos  adolescentes?

Os estudos da neurociência não só desvendaram a anatomia do cérebro como também as funções de cada hemisfério e, mais recentemente no mundo científico, exames com ressonância magnética (RM) e RM funcional associam-se a teorias cognitivocomportamentais para auxiliar diagnósticos desde transtornos da aprendizagem a doenças neurodegenerativas.

Tanto a prática regular da leitura quanto da escrita, de um esporte, ou de um instrumento musical desenvolvem as conexões cerebrais. Pesquisas recentes indicam que quanto  melhores as conexões no núcleo cerebral (substância branca) ou mais espesso o corpo caloso, melhor a efetividade da memorização, nos níveis de inteligência e no ato de realizar tarefas. E, novamente através da neurociência, constatou-se que isso gera menos atividade cerebral, ou seja, quanto mais as conexões cerebrais são eficientes e organizadas, quando o sujeito é muito bom no que faz, isso exige menos “esforço” cerebral. Não é incrível?

Nesse contexto, entram o ambiente social, a educação, e o aprendizado formal, nas escolas. Segundo Dean Burnett, autor do livro “O cérebro que não sabia de nada” (BURNETT, 2018, p.113), “quando nos expomos ativamente a mais fatos, informações e conceitos, tudo aquilo de que nos lembramos ativará nossa inteligência cristalizada.” Essa é uma das razões de muitas aulas serem expostas em formato de narrativas orais, e também de crianças e de adolescentes “entrarem” ativamente na história relatada como personagens – há sempre um D. Pedro ou Joana d´Arc em cada turma. Docentes utilizam trechos de documentários para elucidar uma Revolução, por exemplo, ou um poema para analisar criticamente o contexto histórico de um país em determinado período de tempo, ensinam “na prática” como se resolve um cubo mágico, a fim de que conceitos sejam compreendidos e assimilados. Consequentemente, os alunos se lembrarão dessas associações de diferentes linguagens, da motivação intrínseca que os acompanhou no processo, e a aprendizagem será, sem dúvida, efetivada.

Também é importante ressaltar que o papel da família é fundamental na estruturação do desenvolvimento da inteligência de uma criança, explicando e demonstrando o mundo. Por exemplo, montar uma pizza com o filho é infinitamente mais mnemônico e apreensível do que pedir que ele assista a um vídeo sobre como fazê-lo. Isso o ajuda, cientificamente, a tornar-se mais inteligente.

Aplicar regularmente a inteligência fluida ao maior número de situações possíveis também melhora a situação dela, ou seja, aprender coisas novas pode provocar mudanças estruturais e isso faz com que a substância branca, aquela que transmite informação a todo sistema nervoso central, aumente no cérebro.

Entretanto, há um dado importante a ser observado: em meados de 2010, o pediatra  americano Jay Gieed, apresentou um estudo em que afirma que a poda neural ocorre até em torno dos 20 anos, ou seja, a partir dessa idade, o cérebro já estaria totalmente  desenvolvido e a plasticidade mais “rígida”. Por essa razão, a inteligência fluida deve ser  amplamente desenvolvida antes desse período.

E, claro, se ser extremamente determinado em realizar algo que pode parecer dificultoso após certa idade é desafiar a ciência, por que não tentar tal feito?


Referências Bibliográficas:

BURNETT, Dean. O Cérebro Que Não Sabia De Nada – O que a neurociência explica sobre o misterioso, inquieto e totalmente falível cérebro humano. São Paulo: Planeta, 2018.

CATTELL, Raymond Bernard. A análise científica da personalidade. São Paulo: Ibrasa, 1975.

PRAISLER, Anieli. Coordenadora Pedagógica do Colégio Liceu Vivere – COC
Julho de 2019

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *